Só penso em mudar de posição quando sinto a minha perna formigar, ou melhor, quando já não a sinto mais. Aquela sensação de que não está ali, mesmo quando está ali. Não preciso de complicações hoje, só mudo de posição. Estico os dedos, ajeito a coluna, jogo o cabelo pro lado, mas a sensação de dormência ainda não me deixa deitar. Fico de mal jeito na cadeira, procurando um punhado de coisas que me façam entender o que se passa por aqui, ou quem passa por lá, procuro saber de quem não conheço, olho pela janela todos que passam em frente ao portão.
Os ponteiros do relógio começam a torturar, desejei que o tempo parasse. Faço barulho, ligo a TV, deixo cair metade das panelas, as músicas que tocam não me ouvem mais. Quero o barulho dos carros na rua, da gritaria na praça, do chefe menosprezando o empregado. Quero o som da tua voz me incomodando, o choro desesperado. O silêncio aqui dentro já basta, emudeço, me sinto surda. Não tem nada ao meu redor?
Aquela pessoa que eu pensei que poderia ser? Morreu? Não me convidaram para a festa de aniversário. Não vi a passando em frente ao meu portão, nem a vi virando a esquina. Fui até o centro da cidade procurando pistas de quem poderia ser, mas não havia ninguém. Um hoje, um talvez, e o arrependimento do nó na garganta. Você passa uma porção de tempo sendo estúpido, abusando da naturalidade que te escapa, mas deixa as horas que passaram descerem pelo ralo.
Até você notar que ninguém sente a falta da pessoa que não é.
Hélida Carvalho
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