sábado, 4 de agosto de 2012

Quase fim: nane e artur. VIII

- Você tem medo da chuva, Nane? Perguntei. - Pergunta tola, pergunta tola, perg... Que sorriso! - Pensei.
Estava deitada na varanda de casa, sentindo a garoa arrepiar todo o corpo. As vezes ela olhava como se quisesse correr pra aquele dia chuvoso e nunca mais voltar. Sem medo de se arriscar na lama, sem fantasiar dores das quedas na terra em volta casa. Sua mão juntava um pouco de terra que ela coloca num jarro, flores eram sua segunda paixão. Não pergunte-me a primeira, de Nane eu só sabia o apelido.
- Não -- respondeu distraída.
Cheguei mais perto, sentei na cadeira de palha e a olhei de cima com coragem. Fiz um cacho com seu cabelo na ponta dos meus dedos e perguntei:

- Quer dançar na chuva?

Fantasiei nós dois ali, nos beijando e sentindo nossos pés alcançarem as nuvens e ver de onde vinham cada gota gelada. Eu queria sentir o cabelo dela molhado nas minhas mãos, ver a maquiagem derreter e surgir entre sorrisos a verdadeira beleza que aquela morena trazia consigo. Sonhei com o sorriso dela brotando e me dizendo que sim, que me aceitaria nos livros dela. Me deixaria tocar uma canção velha e deitar em sua cama. Pensei em dizer que aquele momento seria marcado como o começo da nossa história, que contaríamos ao nossos filhos que dançamos descalços na chuva e nos prometemos cuidar um do outro até que esquecêssemos nossos nomes e números do telefone.
- Não, não quero ficar resfriada. Você já pensou, Artur, que pássaros morrem em dias assim?
- Não morrem, apenas se escondem. - Respondi inquieto.
-Você os salvaria se os vissem ser afogados pelo céu? - Me olhava com um semblante distante, não sei se ouviu a minha resposta, tão pouco o que disse antes. Então me sentei ao lado dela e disse em alto e bom som:
- Cuidaria de você, se por acaso o céu te engolisse.
- Não brinque com os deuses, Artur. Não seja tolo.
Vê ali aquelas montanhas? Eu seria engolidas por elas quatro vezes por semana e não pediria por socorro. Lá eu faria moradia, desfrutaria dos dias de tempestade. Me esconderia em cada raio que cai. Mas tenho medo de carregar esses dias sozinha.

Ela não me olhava, fitava o céu cinza ao longe. Acompanhei a ideia e me vi deitado ao seu lado sobre as pedras, sem esperar outro dia que se ia embora as 6h ou uma ligação de emergência. Então por acidente Nane chegou mais perto. Seus dedos frios deslizaram pelas minhas costas e seu olhar me encontrou. Ela me tocou, ela me sentiu e nunca mais foi a mesma.

- Fugiria comigo essa noite, Artur?

Senti o arrepio da sua mão fria pela minha nuca, ela estava tão perto como nunca esteve. Digo, senti sua respiração quente e a inquietação por espera da minha resposta. Seus cabelos voavam e o cheiro me deixava preso naquela posição. Enquanto fitava seu rosto esqueci das respostas ensaiadas e me rendi ao gosto de sua boca. Tão doce quanto as flores que guardei pra ela na primavera, suas mãos tão frias quanto os invernos em Vancouver. A beijei como se fosse o ultimo primeiro beijo que teríamos. A beijei e trinta luas se passaram diante de nós.

Não tínhamos malas, mas tínhamos o mundo em nossas mãos.
Hélida Carvalho

Um comentário:

  1. Eu fiquei me perguntando quando eles estariam frente a frente. Uma coisa que acho engraçado em Nane é a que mais me fascina: Os espaços que ela deixa a ser preenchidos ao mesmo tempo que levanta questões parecem fazer sentido sem fazer. É como acompanhar uma mente fragmentada.

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Trecho de "Eu, delírio."

"Sendo despertado por amantes que batem na porta às 5:50h da manhã e esperam ser atendidos com um belo sorriso, e um exalo leve do cheiro que carrego. Devo avisa-los que veneno tem gosto doce, e é um delírio em fim de tarde. Não acostume-se com o sabor, se não vai beber dessa água por muito tempo."

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Escrevo porque não posso sair gritando nas ruas, ou talvez escrevo porque ainda não tenho o que falar. Hélida Carvalho, inspirada na musica que me ouve.

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