"Não sei se posso continuar a sentir, então menti a mim mesma, como de costume toda noite. E assim percebi que nada mais tenho a ganhar ou perder em uma vida que não vivi, que apenas denominei de minha por ninguém mais querer assim a chamar. Possuo dores que estão comigo a anos e mesmo assim ainda não as expulsei. Talvez pela comodidade que me trazem, talvez da falta de um adeus que não sei ensaiar – nunca sairia como combinado. O que perdi de tão precioso nessa vida não poderá ser recuperado, mas sinto a presença de alguém que me guarda toda noite, me afaga em silêncio, me canta em forma de vento, me assovia, me embaraça os cabelos. Não consigo mais não ser – gritei. Nada lá para me ouvir, nem o vento trouxe o eco."
Hélida Carvalho em trechos de "Cartas para Abel."
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