quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Os assentos do ônibus todos lotados. Alguém ouvia Blues, alguém ouvia o tormento dentro das cabeças que vagavam sem um olhar fixo. Alguém, um eu, ouvia o barulho das notas do silêncio que me enlouquecia. Perto da janela todos os carros pareciam apressados demais, lentos demais, bonitos demais. Perto da janela havia um assento a mais, havia uma brecha. Onde há brechas, cabem furos. Onde cabem furos, cabem alguém, mesmo que minusculo.

- Posso sentar aqui? 
E foi se acomodando, colocando as sacolas pelos cantos disponíveis naquelas carteiras pequenas.
- Não sei.
- O quê?
- O inferno espera por você. Não nos marcamos porque o precisamos está escrito em nós.
E continuou como se alguém não a ignorasse.
- O que significa?
- Hmmmm?
A indiferença escorria daqueles olhos, mas quem incomoda tão pouco sente quando há cadeiras vagas que nunca deveriam ser preenchidas.
- "Somewhere only we know"
- Significa que alguém lá fora pensa como eu, age como eu, tem os mesmos cabelos e olhos que eu. Só que os mesmos esbanjam mais forma de vida. - Esbravejei a fitando com rancor.
Passaram-se oito postes de luz. Mais três sinais vermelhos.
- Suas almas?

Alguém que ouvia Blues cansou das notas qualificadas. O silêncio fez tempestade.

[...]

Nove sinais vermelhos. Por sorte quatro verdes, e uma ultima parada. Como se em nas notas finais de cada canção os ouvidos cansados preferissem outro começo. Talvez mais um ônibus, talvez mais uma vida. Talvez mais um momento pra pensar. Talvez mais um céu sobre nossas cabeças, mas da cor dos seus olhos, mesmo que na escuridão nos perdêssemos, o seu olhar estaria sobre mim. Como se estivéssemos em um lugar onde só sabemos. No fundo de cada arco-iris um tesouro, no fundo de cada copo um ultimo gole, no fundo de cada beijo um ultimo suspiro, no fundo de cada alma um nós. No fundo de cada pergunta uma resposta nos mesmo lábios enterrados por não ter falo, ou ter ousado demais. No fundo de cada assento vazio, uma esperança do seu corpo fazendo sombra sobre o meu. E assim os faróis seriam apenas paradas, continuações, e tinta sobre a pele. No fundo de cada marca, uma cicatriz que não causou dor.
Hélida Carvalho

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Trecho de "Eu, delírio."

"Sendo despertado por amantes que batem na porta às 5:50h da manhã e esperam ser atendidos com um belo sorriso, e um exalo leve do cheiro que carrego. Devo avisa-los que veneno tem gosto doce, e é um delírio em fim de tarde. Não acostume-se com o sabor, se não vai beber dessa água por muito tempo."

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Escrevo porque não posso sair gritando nas ruas, ou talvez escrevo porque ainda não tenho o que falar. Hélida Carvalho, inspirada na musica que me ouve.

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