sábado, 8 de setembro de 2012

   Os dias nulos tomam vida e nos rendem, nos deixam correr. A espera foi tão escassa quanto à chuva onde habito, não há poças nas ruas, nem lágrimas nos olhos. Os tempos de secas são os piores dos 50 anos dos quais vivi 70. Tenho vinte a mais dos que choram, dos que já se molharam entre pernas ou entre braços. As respostas estavam aqui em séculos cinzas e canetas douradas, penas voavam sobre a peça e sentenças eram secretas. Não nos molhávamos, nos queixávamos da falta da pele queimada, nos emburrávamos com o pé vermelho da cor da terra, era só a troca. Era a recompensa por andar de pés descalços em terra úmida.

   Nos tempos das rachaduras, nos abriam buracos onde não existiam pele, buracos internos e assustadores a luz do dia, buracos negros sem fim, sem a luz do trem no fim do túnel, não havia bagagem nem passageiro naquela passagem. Não pagávamos com papéis coloridos esculpidos em números, pagávamos com a razoável forma dos dedos, de como vivíamos cuspindo papéis sujos em amores limpos. Cuspíamos nossas sexuais histórias e invenções nojentas em livros para iludir os adoradores da ilusão, éramos escravos de buracos e pés rachados, éramos presos por amar e a sentença era só a morte. Sentíamos poder, nos jogaríamos de mais 70 abismos em uma madrugada, queríamos morrer de dor, morrer de amor, a dor de morrer do amor traziam orgasmos e em seguidas suicídios.

   Pernas quebradas e olhos pra fora, secos. Olhos secos, sem cílios. Bocas lacrados e dedos falantes, não tínhamos o direito da voz, nos sucumbíamos pelos próprios desprezíveis desejos de amar. Tínhamos a intenção, mas faltava a atenção de quem nos lê.
Hélida Carvalho

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Trecho de "Eu, delírio."

"Sendo despertado por amantes que batem na porta às 5:50h da manhã e esperam ser atendidos com um belo sorriso, e um exalo leve do cheiro que carrego. Devo avisa-los que veneno tem gosto doce, e é um delírio em fim de tarde. Não acostume-se com o sabor, se não vai beber dessa água por muito tempo."

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Escrevo porque não posso sair gritando nas ruas, ou talvez escrevo porque ainda não tenho o que falar. Hélida Carvalho, inspirada na musica que me ouve.

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