sábado, 1 de dezembro de 2012

Eu, delírio - Aquele ultimo beijo [Parte 2]

Sentados ao som de Live forever - uma das minhas preferidas, esperamos uma consulta que não chegava. Mas que poderia ficar lá para sempre, pois ao meu lado tinha o par de olhos que qualquer céu desejava. Castanhos escuros, mas o notava azuis sempre que ela perguntava:
- Já são 7h?
Eu estava sem relógio, mas sempre dizia:
- Faltam 15 minutos para alguma coisa não acontecer.
Mudavam-se os cenários e lá estávamos orando em silêncio, mas em alta voz:
- Querido Deus, se você pode me ouvir agora, não diga nada. Mas dê-nos a mão para passarmos nessa ponte.

Não havia ponte, ruas, estradas nem encruzilhadas. Não havia nada lá além do silêncio ensurdecedor, além de alguém perdido. Alguém que não sabia pra onde ir, mas que continuava a andar. Alguém que procurava amor na brecha do casaco que mostrava o colar de camafeu. Procurei por Liza por toda a noite até me dar conta que não sabia como respirar, e nem porquê as espirais caiam como flechas no campo do qual eu fugia. Não ter pra onde é sempre uma maneira de chegar. Logo me cobri com o que restou de nós e a alcancei como se cada passo que eu desse fosse o ultimo. Como se depois de tê-la agarrado pelo braço, minhas pernas não funcionariam mais e eu estaria sempre preso na lembrança que se desse um passo a mais você seria minha.
Então a segurei em silêncio por tanto tempo que quando a senti não soube o que falar. Os ensaios foram todos em vão, os olhares em busca de outro olhar foram correspondidos e não havia ninguém dentro de mim naquele momento. Estava fora de mim, tranquei a porta e olhei pelo olho mágico um garoto distorcido entre o medo de amar e o medo de morrer por não ser amado. Volto pra dentro de mim e no instante noto seus olhos em direção ao meus, com os lábios frios e uma pergunta em sua testa. A beijei. Como se depois daquele beijo o mundo fosse explodir e nenhum de nós sobreviver para olharmos nos olhos e desejar o infinito. A beijei como se a boca que usasse não fosse minha, nem os lábios que encostassem nos meus existissem. Quem me dera respirar.

Três meses se passaram e a banheira parecia um oceano em turbulência. As lágrimas jorravam como se em cada lágrima saísse uma lembrança do ultimo primeiro beijo que demos. Não éramos ninguém naquele cenário de loucos e mesmo assim fizemos nossa história ser escrita como se entre nós já houvesse amor. Atrevo-me a dizer que tive 48 primeiros beijos e nenhum amor de verão. Choro junto com o céu ao perceber que tudo ao meu redor só é visto ao meus olhos quando estou amarrado nas minhas próprias mãos, para não amarrar cordas ao meu pescoço.  Minha mãe bate na porta, grita o meu nome e eu esqueço quem fui nas horas passadas. A partir daquele momento eu era Quimi, o louco. Quimi, o que não era louco. Quimi, o que liga para o 911 doze vezes ao dia porque tem um monstro no meu armário.

Descubram-me mais que o que vêem. De mim só sabem o que eu quero que saibam. Então digo com cautela: Aqui vos fala o louco, o médico, o dragão. Aqui vos fala o amor. O garoto que tem cem anos ao amanhecer e dezesseis ao dormir. O garoto que tem Michael como melhor amigo e pipas falantes ao teto do quarto. Aqui vos fala quem não sabe cantar.

Era sempre assim.
Outro feriado, mais um pôr-do-sol e ninguém à vista.

2 comentários:

  1. Nossa, coragem a do Quimi de se permitir enxergar. Sair de si para olhar o que se passa.
    Desse jeito, deixa expectativas... desejos. Desejou o infinito marcado naquele beijo e caiu quando percebeu que aquilo passara apenas de segundos, minutos talvez.
    Jovem Quimi, não sabe da vida. Alias, quem sabe?

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  2. Ele deixou a alma livre pra amar qualquer uma que passasse na rua, seja uma jovem menina, ou uma senhora. A deixou livre e encontrou quem amar, mas depois do primeiro beijo notou que todos os primeiros beijos são os mesmos. Então mudaram-se os cenários, mas nada mudou para um garoto insano. Como disse Bukowski: "Quem estabelece a normalidade?" Beijo, Amanda. Obrigada por ler.
    Hélida.

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Trecho de "Eu, delírio."

"Sendo despertado por amantes que batem na porta às 5:50h da manhã e esperam ser atendidos com um belo sorriso, e um exalo leve do cheiro que carrego. Devo avisa-los que veneno tem gosto doce, e é um delírio em fim de tarde. Não acostume-se com o sabor, se não vai beber dessa água por muito tempo."

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Escrevo porque não posso sair gritando nas ruas, ou talvez escrevo porque ainda não tenho o que falar. Hélida Carvalho, inspirada na musica que me ouve.

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