Eramos vampiros do escuro. Sugadores de esperança, e desesperançosos quando o assunto era amar um passo dado no mesmo segundo, eramos inválidos quando o assunto era a fila do INSS, e eramos os primeiros quando tratava-se de sexo explicito em frente à uma creche de crianças cegas. Eramos desafiadores do destino, até que ele nos carregasse no colo e nos mostrasse o reflexo do espelho que nossa alma estampava.
Eu, a delirante idosa com mãos enrugadas, com cílios esbranquiçados, com cabelo em coque e com os dentes amarelos, naquele dia - por sorte, completava 12 anos. Joguei pedras ao espelho, numa tentativa vã de fazê-lo entender que estava errado. Que eu tinha por direito os 53 anos que passei correndo pelas ruas escuras, sendo abusada por caminhoneiros, e colhendo milho na lavoura que eu imagina ter sido do meu pai. Estampava juventude naquele vulto amarelado, mas estampava “Olhos mortos” como título da minha vida. Assim chegando perto avistei o que temia. Enxerguei-me despida, com seios brotando, com boca rosada e cabelo avermelhado. Chorei por 12 segundos, que se estenderam à 16, ao olhar para meu amado.
Cabelos negros, deslizantes aos olhos dos comuns. Olhos castanhos, e fantasiado de Capitão América. Ao chocar-se com o espelho, seus cabelos grisalhos foram o primeiro susto que se antecederia à sua morte. A bolsa que seus olhos carregavam daria para levar consigo todo desgosto por ver suas mãos mortas em frente ao espelho que esfaqueou seu coração já gasto. Perecendo assim em frente à imagem que nunca teríamos de nós mesmos.
E por 50 anos vivemos a mais bonita e enganosa história de cadeia que poderíamos contar em qualquer geração do 1° de abril.
Hélida Carvalho
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