Amarrou uma corda no cabelo, deixou que alguns fios caíssem pelo rosto, assim dava a sensação de liberdade tanto da alma que queria voar quanto do cabelo que se desprendia ao se deitar. Ali enrolada no seu abrigo, debaixo dos cobertores grossos – não fazia frio naquela noite, só o vento que soprava pelo canteiro da porta a deixava arrepiada. Ao fechar os olhos, a imagem que me prendia era a tua, os olhos que me traziam tamanha fixação eram os teus. Seus pensamentos iam longe, derrubavam os muros que os separavam por inconveniência, andavam milhas pra bater na tua porta no meio da madrugada. Queria fazer uma surpresa, queria que o olhar dele a encontrasse vagamente pelo corredor do seu prédio, queria subir as escadas aos tropeços, pulando um degrau ou outro e ver a essência dele transformando-se em um rosto que mantém um sorriso esboçado. Ela queria ser encontrada em uma multidão que vaga sem destino, ela só queria ser puxada pelo braço e ser salva, ela só queria ser o alvo. Conjugo os verbos no passado porque ainda há em mim grande parte alucinada que não consegue sonhar com as passadas vagas em um apartamento qualquer, batendo em portas a madrugada inteira à procura que um rosto que mostre traços que por um momento me traga a lembrança de como será o nosso dia. Não sei ao certo se longe ou perto, mas um dia batizado de nosso está por vir, tua mão deslizando pelo meu corpo e a obrigação das amarras no cabelo não será necessária, serei imune a prisões.
Hélida Carvalho
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