sábado, 28 de julho de 2012

Nane é apelido VII

Eram os dias que não passaram que a alucinavam. O não acontecer das coisas, dos dias, das pessoas, dos ponteiros e dos pintores. Era isso que a tirava a paz e a jogava no buraco de escolhas mortas, de livros sem conteúdo prático e de homens-meninos patéticos. Era também a falta de ser, de não ter pra onde ir, de nunca chegar porque o caminho é o ontem, e quando ela teimava em morrer ontem, o amanhã não nasceria até que recebesse uma resposta. Às vezes vinha num bilhete amassado “Eu não posso escolher entre você e ela, mas quero tua escolha em mim.” Ou vinha em e-mail numa mensagem instantânea “Eu escolho ela, não posso ser teu hoje.” E o teto cobria sua cabeça, os raios a partiam em partículas que vaporavam em segundos, o coração cabia numa caixa 3x4, o céu se perdia e não chorava nas semanas seguintes. Então Nane se fazia rotina, assim perecendo com ela, não ouvia música, não pichava paredes, não ouvia jazz, não citava nomes,não chorava ao acordar, não sorria ao dormir. Não escrevia na porta de casa, nem bebia cerveja sem álcool. O agrado mesmo era a varanda suja de terra, as roupas penduradas no telhado, a nuca recebendo o vento frio, o cabelo que não tocava no ombro, os olhos fadados a chorar por quem não chegaria, os dedos congelados pela neblina e uma alma que nunca seria sua. Ela mal sabia, mas ela só era mais uma a não dar certo, só mais uma a não ser de ninguém. Nane era só mais uma, ou uma eterna tentativa de não ser.


Hélida Carvalho

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Trecho de "Eu, delírio."

"Sendo despertado por amantes que batem na porta às 5:50h da manhã e esperam ser atendidos com um belo sorriso, e um exalo leve do cheiro que carrego. Devo avisa-los que veneno tem gosto doce, e é um delírio em fim de tarde. Não acostume-se com o sabor, se não vai beber dessa água por muito tempo."

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Escrevo porque não posso sair gritando nas ruas, ou talvez escrevo porque ainda não tenho o que falar. Hélida Carvalho, inspirada na musica que me ouve.

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