Foi o que ouvi na escada, foi aquele barulho imperceptível. Foi a angustia da procura por vales inabitados. Eu entendo. Eu ouvi. Eu só não nos desejei numa rua cheia, numa praça vazia. Não desejei que fossemos os estranhos em um ponto de ônibus. Eu lembro do tapa, lembro das lágrimas que não desceram, só não lembro como fomos parar ali. Ao sair de casa lembrei do casaco, das falas no espelho, lembro de olhar o céu e pedir por nós. Mais um dia de olhares mortos, mas de sorrisos vividos na esperança de só mais outro dia. Usei os meus conselhos em situações retoricamente incabíveis, usei o perfume que ganhei, mas não usei as lágrimas que encomendei. O céu nos deu a quinta-feira para morrer e nem assim soubemos aproveitar o vento que fazia. Não soubemos fazer com que o frio nos doessem as juntas, nem arrepiasse os pelos da perna. A mentira nos fez escravos e só eu fui refém de um contrato assinado com o sangue que me escorreu dos olhos. O que cuspi não era verdade. Eu ainda ia sentir saudade se fosse embora, eu ainda ia querer sentir teu sentir em mim. Eu ainda falo de um passado a menos de três horas atrás, eu ainda comento como nós o que não nos resta. Humanamente quebrados, nossos cacos de solidão não poderiam ser emendados naquela hora, nem naquele mês. Porque então pensar que teríamos a eternidade do amanhã, se o hoje nos humilha e nos empurra no abismo de incertezas?
Porque pensar que seriamos eternos, se somos o que restou do que seriamos? Porque só tínhamos a esperança, nada mais nos cabia a três noites atrás.
Hélida Carvalho
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