terça-feira, 18 de setembro de 2012

o tarde demais é amanhã.

Toc. Toc. Minha mão pesa duas toneladas e tua porta parece tão frágil. Ainda há alguns raios de luz entrando pela escada do teu apartamento. É só mais uma visita de rotina, minha sombra desaparece e nada.

Ninguém atende. - Insisto.

Pergunto-me o que ainda faço aqui. Passaram-se 14 anos desde que seu amor foi enterrado, desde que recebi tua carta, com trechos manchados por lágrimas nunca lidas. Trechos marcados pela força que a caneta pôs naquele papel. “Eu não consigo… viver sem teu, sem eu… te espero, Vera.” Quem nos pôs um fim, amor? Depois de treze luas cheias e catorze noites consecutivas de amor, até quando você me esperaria? Cansada do silêncio que mora na minha boca, amassei tua antiga nota na minha mão que soava, e procurei por você. O endereço no envelope apontava pra praça Froz da Motta, foi lá que sem pá enterrei um pouco da sua espera, onde enterrado foi nosso adeus. Onde eu te olhei pela ultima vez, quando teus olhos ainda eram jovens e transbordavam um reflexo meu, uma sombra sua. Onde o meu perfume na tua camisa te tirava o sono, onde o ‘eu’ na foto sorria como uma atriz. Onde eu fingia, onde eu disse ‘não’ e você morreu por mais um dia, mais uma década. Segui mais um quarteirão, a vizinhança indicou-me o teu novo endereço. Quase não reconheceram-me, a juventude que eu tinha está enterrada junto com você, e com as flores recém compradas que enfeitavam teu caixão. Fazem dois anos que bato na tua porta, mando-te flores de aniversário, deixo recados na secretária eletrônica, e que rego teu jardim. Numa tentativa vã de ouvir tua voz, ou teu sim. Numa tentativa de vã de não ter que morrer por mais uma década pra pegar na tua mão e caminhar pela beira do lago. Numa tentativa vã de não ser tarde mais para nossos dedos se cruzarem, de saber até quando o paraíso esperaria por nós. Até que te vejo abrindo os braços, chamando o meu nome e sussurrando: Teu tempo é o meu amanhã, Vera.
Hélida Carvalho

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Trecho de "Eu, delírio."

"Sendo despertado por amantes que batem na porta às 5:50h da manhã e esperam ser atendidos com um belo sorriso, e um exalo leve do cheiro que carrego. Devo avisa-los que veneno tem gosto doce, e é um delírio em fim de tarde. Não acostume-se com o sabor, se não vai beber dessa água por muito tempo."

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Escrevo porque não posso sair gritando nas ruas, ou talvez escrevo porque ainda não tenho o que falar. Hélida Carvalho, inspirada na musica que me ouve.

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