Só escrevo pelos que morrem pelo exagero do velório. Flores em cima da seda, no meio da sala, no meio do nada, pés descobertos e um peito aberto. Quem te isola não te tem amanhã. Quem te abre hoje, não te costura amanhã e a forma aberta pelas costelas te toma o corpo e o que sai de você é fumaça, é lágrima e alucinação.
O inferno tem os cílios grandes e a boca molhada, tem tapete na porta e marca a casa de número 12. Te assombra com o reflexo na janela, te faz correr com o cabelo que voa pelo vidro do teu quarto, te faz dormir sufocado no ar quente que é o medo. Do nada, se não ter nada. Não ser é mais fácil do que acender uma vela. Os joelhos ralados não falam, não cantam e não contam a história certa. Corta as melhores partes e pula na tragédia. O afogado não escreve porque bebe água ou toma banho, escreve pela liberdade de voar antes de cair no mármore, ou de cair no rio. Sorrir no espelho é abrir um buraco e não costurar. Sorrir para quem te faz espelho é voar, mesmo em queda.
Hélida Carvalho
Nenhum comentário:
Postar um comentário