sábado, 20 de outubro de 2012

Sobre navios, metáforas e despedidas.

Os lembretes no espelho sorriem com a sua letra, suas fotos por toda a sala formam uma nuvem de lembrança que não supre a falta que você fazia enquanto chovia lá fora. Agora chove aqui dentro, os móveis estão alagados, meus olhos inundados, e ninguém viu no noticiário até quando as tempestades rondaram o bairro. Ninguém anotou na porta da geladeira que é pra frente que se anda mesmo quando o caminho está as suas costas. Ninguém vê que naquela cama nós conversávamos por horas, sem uma palavra ser proferida, e quando os diálogos tomavam o quarto, éramos simples. Não passávamos de sonhadores drogados, com os corpos atolados na endorfina, no pecado, no perdão, nos saciando com a boca vazia. Sugando um do outro a vida, o sangue, o suor. Éramos escritores do nosso trágico fim, só não sabíamos como o escolher. A morte vem. Só vem. Nunca haverão cartas no correio, bilhetes na mesa do livro, mensagens na secretária eletrônica, nuvens cortando o céu em formato de pássaros. Não haverá notícias de que nesse paraíso alguém amou, não haverá história do nosso sexo em novelas, em filmes rotineiros seremos aqueles que não partem, seremos aqueles que correm no trânsito infernal, ou seremos os atores fajutos no fundo da cena. Seremos aqueles sem brilho, sem uma câmera focando no seu olhar que dança ao me ver sorrir. Seremos um sem graça, um comum a dois, amantes por tempo finito. Amados somente enquanto o despertador não nos mostrar a hora de partir, mesmo sem tirar os pés do chão. Nos mostrará que o tempo mata sem dó, que nos possuía, nos satisfazia com sua insignificância, nos mostrava seu poder enquanto pensávamos que o controle do carro que você dirigia era nosso. E mostra que somos bonecos de papel pronto para sermos afogados, quando por sorte tentarmos nadar e nos igualar ao mar. Estamos mortos em frente ao espelho que anuncia o dentista às 5h. Somos eu, somos você, somos todos quem podemos ser. Só que sem nome. Desconhecidos tomando o mesmo caminho, mesmo sabendo que navios não atracam no mesmo porto.
Hélida Carvalho

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Trecho de "Eu, delírio."

"Sendo despertado por amantes que batem na porta às 5:50h da manhã e esperam ser atendidos com um belo sorriso, e um exalo leve do cheiro que carrego. Devo avisa-los que veneno tem gosto doce, e é um delírio em fim de tarde. Não acostume-se com o sabor, se não vai beber dessa água por muito tempo."

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Escrevo porque não posso sair gritando nas ruas, ou talvez escrevo porque ainda não tenho o que falar. Hélida Carvalho, inspirada na musica que me ouve.

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