terça-feira, 14 de maio de 2013

As notas daquele rodapé

Metade do assoalho velho despencava e ninguém mais notou que eu me escrevi em qualquer parede que lembrasse o branco que fazia contraste com os seus olhos emaranhados em bombas guardadas no oceano que escorria pela brecha da janela quase fechada. Enfeitei como se cada poesia nossa fosse aniversariante por me fazer ter mais um assunto, por notar mais um trejeito, por satisfazer esse libido que não deixa o arrepio da espinha em paz, que desce até a virilha e lembra quão mortal e involuntários somos ao nem sentir o que sentimos. Quem dita as regras sobre como seria esse fim miserável de alguém que nem sabia amar? Amor, estou sempre escrevendo para um fantasma que nunca me deixa ir a lugar algum e assim estou sempre voltando pra mim porque não sei pertencer a lugar algum que não me caiba, como não me coube em morar na sombra dos seus olhos, num passo atras do seu, num cabelo que cai no rosto, na chuva que tomo enquanto chego a sua casa, no chá sem gosto que você me faz, no orgasmo que não tive, na dor que me causou e aplaudiram como se fossemos passatempo de uma platéia entediada, num cílio na gola da camisa  no beijo que era pequeno demais para caber metade de mim, no adeus sem olhar pra trás pra checar se eu estava voltando ou indo de uma vez, no circulo que o nosso passo fazia e ninguém ao redor percebia porque eu ainda contava nossos últimos passos e no desprezo por não acreditar mais no que aconteceria se algo nos acontecesse e aconteceu. Aconteceu o nada que sempre temíamos acontecer, vir como uma onda destruidora procurando a paz que não existe e levasse-nos como pobres formigas a beira mar, como se nossas vidas fossem moedas velhas jogadas aos mendigos de calçada. Aconteceu que os muros da cidade se estreitaram e nenhum dele me coube, nenhum me acomodou como o céu da sua boca ao me deixar. Aconteceu que os meus discos não me ouvem mais e tudo o que os meus vinis fazem é ocupar espaço e juntar poeira, aconteceu que nossas fotos perderam o brilho, aconteceu que o meu pé torceu, seu cabelo cresceu, ninguém sabe realmente o que aconteceu. Você aconteceu antes de qualquer palavra ser riscada ser direcionada pra você, antes de qualquer final feliz ser escrito, você apareceu e eu perdi o rumo da história. Eu perdi o caminho e estou perdida nessa rede de luas que contornam a janela do meu quarto e de lá vejo toda chance que eu perdi se você não estivesse tão perdido quanto eu.

As notas daquele rodapé são as cartas que não assinei, os beijos que não dei, o adeus num ultimo abraço, a reticência da nossa poesia, o sangue que escorreu das brigas que não tive coragem de enfrentar, o medo do escuro. Eu era tudo aquilo que não podia ser feito e ainda assim fui.
Hélida Carvalho

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Trecho de "Eu, delírio."

"Sendo despertado por amantes que batem na porta às 5:50h da manhã e esperam ser atendidos com um belo sorriso, e um exalo leve do cheiro que carrego. Devo avisa-los que veneno tem gosto doce, e é um delírio em fim de tarde. Não acostume-se com o sabor, se não vai beber dessa água por muito tempo."

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Escrevo porque não posso sair gritando nas ruas, ou talvez escrevo porque ainda não tenho o que falar. Hélida Carvalho, inspirada na musica que me ouve.

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