terça-feira, 24 de abril de 2012

39° carta.


Faltam 3 dias pra te encontrar.
Mas onde? Você não responde as minhas cartas, não entendo porque ainda as mando. Você ainda mora na travessa? Perto daquela pizzaria que tem um garçom argentino? Não sei por que ainda faço perguntas, você nunca as responde.
Temo dizer que essa pode ser a ultima coisa que nos toque. Há 3 anos eu não beijo nenhuma boca, o nosso beijo secou nos meus lábios. Não sinto mais a necessidade de te chamar de amor, perdemos a sintonia. Ou talvez eu tenha cansado de escrever cartas vãs, sem respostas, só fragmentos pobres dos meus dias cansados. A moça do aluguel me espia pela janela, ela acha que eu sou louca, mas talvez só tenha ciúme do namorado dela, ele me olha pela janela – com um binóculo. Quem normalmente tem um binóculo em casa? Às vezes ainda dou risada.Estou amargurada. Comecei a carta, mas não sei como começar a lhe contar as mentiras rodeadas que carregam o meu nome assinado.
O transito beira a minha cama todas as manhãs, meus olhos estão secos. Não enxergo onde diabos enfio o despertador, o sol me queima a pele dentro do meu próprio apartamento, quanta ousadia. Mas hoje não, foi estranho, amor. Ouvi um barulho nas escadas, mas a preguiça me amarrou os pés, continuei na cama. Não lembrei do dia que te vi ir embora, só tive flashes da moça do aeroporto me olhando com pena, das minhas unhas roídas no chão, das minhas passadas descompassadas pra trás, lembro até de alguém me apoiando para que não caísse. Mas não lembro do teu choro – não houve choro. Não lembro do nosso diálogo, teve uma conversa entre nós naquela noite?
O barulho continuava lá fora, talvez não seja nas escadas.
Minha boca amargava como de costume toda manhã. Nesse dia esse amargo prevaleceu o dia inteiro, até o carteiro não fez questão de me trazer uma conta. Enquanto lembrava da tua indiferença, refiz nossos cálculos. Eu amei por dois, chorei por três, sofri até ontem por quinze homens robustos. Você não ligou, não respondeu as cartas, você não chorou na despedida. Você não pronunciava o que eu tanto queria ouvir, você não era concreto. Tua indiferença me doía em cada carta vagabunda, mas nunca deixei de continuar te amando, como nas promessas que fiz te amaria até a penúltima carta.
Acordei com vontade de engolir o mundo, acordei sentindo falta da pessoa que fugiu por três míseros anos. Acordei sentindo a minha falta.
Essa é a última carta, amor.
O barulho na escada era você?
Hélida Carvalho.

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Trecho de "Eu, delírio."

"Sendo despertado por amantes que batem na porta às 5:50h da manhã e esperam ser atendidos com um belo sorriso, e um exalo leve do cheiro que carrego. Devo avisa-los que veneno tem gosto doce, e é um delírio em fim de tarde. Não acostume-se com o sabor, se não vai beber dessa água por muito tempo."

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Escrevo porque não posso sair gritando nas ruas, ou talvez escrevo porque ainda não tenho o que falar. Hélida Carvalho, inspirada na musica que me ouve.

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