quarta-feira, 4 de abril de 2012

Nane é apelido? II

Sempre foi menina de conversar com estranhos, ela tinha um vestido verde – daqueles que cegavam a luz do sol, mas não deixava de usar nas ocasiões especiais. Nane tinha um diário de capa marrom, um diário velho que tinha tanta desilusão quanto ponto branco na terra. Havia alguns meses em que ela ia às compras sozinha, voltava com as sacolas entupidas de necessidade, assim como a moça da vizinhança tinha lhe dito que deveria ser. Vez ou outra deitávamos no sofá da sala pra cantarolar as histórias de criança, e ela me contava como o mundo era bonito aos olhos dela. Ontem mesmo falávamos da noção do tempo, contava-me as histórias de amores perdidos que tanto sonhara em achar. Apaixonou-se uma vez só, e que esse amou durou tanto que com o passar dos anos não sentia a necessidade de demonstrar. A letra borrada no papel colado na geladeira me fez tremer. Nane tinha o poder da descoberta, era de ler as pessoas pelo olhar, me escreveu um bilhete de despedida, com letra miúda e dizia assim.

“Não era como antes. Certas coisas foram feitas para durar duas semanas, certas pessoas foram feitas para serem beijadas somente uma vez no mês. Certos tropeços foram feitos como sinal de atenção. Certas pessoas ainda não valem o sofrimento que causam, certos cortes foram feitos para não serem cicatrizados. Feridas foram feitas para lembrar que algumas coisas marcam, em pele, em pensamento. Certos amores foram feitos para serem vividos numa noite de bebedeira, com um copo ou três a mais de cachaça eu me apaixonava tão fácil quanto ia embora. Certos goles foram feitos para serem cuspidos. Certas pessoas – como eu e você, foram feitas em formas. Formações constantes e emergentes, estou crescendo sobre o que sobrou de mim, pelos meus pedaços fiz uma escada. Para a tua felicidade estou no 3° degrau, faltam pouco mais de cem. Não te preocupas, uma hora eu chego em mim, e quanto eu me encontrar tudo que eu perdi estará dentro de uma mala embaixo de um carro parado, ou de uma muda de roupa suja.

Eu não escrevo mais sobre amor. Com saudade, Nane.
Te vejo amanhã, ou não.”
Hélida Carvalho.

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Trecho de "Eu, delírio."

"Sendo despertado por amantes que batem na porta às 5:50h da manhã e esperam ser atendidos com um belo sorriso, e um exalo leve do cheiro que carrego. Devo avisa-los que veneno tem gosto doce, e é um delírio em fim de tarde. Não acostume-se com o sabor, se não vai beber dessa água por muito tempo."

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Escrevo porque não posso sair gritando nas ruas, ou talvez escrevo porque ainda não tenho o que falar. Hélida Carvalho, inspirada na musica que me ouve.

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