terça-feira, 10 de abril de 2012

Blusa branca, padeiro.

O conformismo me tomou e por preguiça o deixei ficar. Ando ocupada vivendo de ócio e ilusão, com os pés firmados em sofrimento vou adiando melhoras para o mês que vem. Deixei cortarem a energia, não paguei a conta de água. Joguei as roupas de madame fora, não uso mais sutiã.

- Os seus peitos ainda são duros, coroa.

O vizinho me espiava pela janela, que malicia. Aquele virgem tinha pouco mais de 18 anos, e não me deixava em paz, no caminho da padaria não tirava o olho do meu rebolado. Desejei descer correndo aquelas escadas e o fazer se arrepender do que tinha dito, ou poderia mostra-lhe os meus péssimos modos na cama. A minha fama de boa puta rodava todo o quarteirão. Não dava ponto sem nó, não dava trabalho pra malandro, nem ousadia pra garçom. Tinha tatuagem de estrela na nuca, e uma flor de lis na virilha. A flor mostrava só o talinho, eu gostava da maneira como os homens se esticavam pra cair na minha calcinha, mal sabiam que significa Pureza. Santa puta da pureza, eu ria alto e sozinha.

As mascaras me protegiam de dia das pessoas de quem eu fugia, me escondia pelos cantos do bar, ou não rebolava tanto na festa, não ia buscar as minhas filhas na escola, não assistia novela - porque é coisa de velha. Não ouvia música antiga, gostava da modernidade. Mas quando a noite chegava, quando os lençóis da minha cama estavam sujos e manchados por algum estranho infeliz, quando minhas unhas caiam e eu tirava o aplique, o ataque me tomava.

Escondo-me todas as noites da única pessoa que tenho vergonha de ser: eu.
Hélida Carvalho

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Trecho de "Eu, delírio."

"Sendo despertado por amantes que batem na porta às 5:50h da manhã e esperam ser atendidos com um belo sorriso, e um exalo leve do cheiro que carrego. Devo avisa-los que veneno tem gosto doce, e é um delírio em fim de tarde. Não acostume-se com o sabor, se não vai beber dessa água por muito tempo."

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Escrevo porque não posso sair gritando nas ruas, ou talvez escrevo porque ainda não tenho o que falar. Hélida Carvalho, inspirada na musica que me ouve.

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